24/01/2012

A História

Chamava-se Amelie. Nasceu e cresceu num desses campos feitos exclusivamente para isso. Não sabia do mundo lá fora. E assim como ousou ter um nome, também foi suficientemente rebelde para cultivar o sonho de um amor.

Amava o Jean.

Conheceram-se, é verdade, pela conveniência de ter amigos em comum, passados recentes, ali naquela prisão, da qual não conseguem fugir, nem mesmo sair do lugar. Então, aos poucos um gostou do outro – talvez ele primeiro, pela vivacidade com que vivia os momentos.
Olhares trocados, tentativas falhadas, lamentos às almofadas, enfim, uma imensidão de emoções. O único objectivo era – apaixonar-se de verdade.

Os poucos meses de amizade colorida de Amelie e Jean passaram-se com saídas comprometedoras, conversas interessantes e intermináveis e sempre presente aquele brilho nos olhos de Jean. Crescia.

O tempo foi passando e os obstáculos nem sempre ultrapassados da melhor forma, chegando-se a magoar mutuamente. Mas lá no fundinho, eles sabiam, e bem, o quanto se encantavam, o quanto se desejavam.

A relação amorosa lá ganhava contornos “oficiais”, sempre com um pé atrás de ambas as partes.

Ele sempre com aquele ar seguro, orgulhoso, matador, ambicioso.
Ela sempre com aquele ar de refilona, menina de jardim, inteligente. . .

( . . . ) – Passaram-se anos – ( . . . )

A relação mantinha-se de tronco bem assente.
Ela já o conhecia como ninguém, ele continuava a tentar mostrar que aquele primeiro ar de segurança, confiança, poder, era de facto algo dele.
Porém Jean, não tinha nada disso, excepto a ambição, não tinha qualquer tipo de orgulho, era até bastante fraco e sensível.
Fraqueza essa que foi determinante. A relação foi-se destruindo, sem que Jean fizesse algo para mudar.
Os ventos foram correndo em direcção oposta, os nomes já não se encontravam.
Estavam sentados num banco em pólos opostos. Nada os tirava dali, nem afastava, nem aproximava.
Até que o inevitável aconteceu. Os dois foram levados dali, já mortos, para saciar a fome de uma alma insaciável. E era a fome no seu sentido mais primitivo: seriam devorados, engolidos, digeridos.

Na sua cabeça e na sua infinita desfaçatez, o destino nem sequer permitiu que os dois terminassem juntos. Ela tornou-se parte de um passado e ele merda que cola nos sapatos. E nem deixou com que Amelie chegasse a perceber quando é que foi que a “espera no banco” lhes tirou a vida.

Amelie, horas antes desse final, ainda fazia alguns planos românticos, supondo a hipótese de visitar o mundo e semear o amor “pralém fronteiras”. Jean, sempre frio e fechado, embora ouvisse sua amada com carinho, preferia pensar em outros mundos. Estavam ali sentados para evitar a morte dos dois,inocentes, servindo de comida aos que não queriam magoar outros seres.

Ela, é claro, nunca entendeu nada disso e se recusava a aceitar a história, mas sabia do destino inevitável. Como seria possível acabar com o amor e, mais ainda, a vida de dois seres sob o pretexto de Jean ser fraco? Não haveria qualquer hipótese e nem faria qualquer sentido. . . Mas não havia meio de reagir.

O problema, talvez, estava no facto de que Amelie não se tivesse apercebido, e que Jean já à muito tinha soltado o corpo naquele banco e voado para outras paradas, sem ter sequer o discernimento de lhe proferir uma única palavra de respeito/consolo.

Se ela soubesse disso, teria reagido e se calhar até ter mudado o rumo dos acontecimentos, mas não ela sentia que algo podia ser diferente.

Jean não sentiu isso e seguiu adiante. Ela, ao contrário, sentia em demasia e jamais viu necessidade de parar por aí. Arriscava-se numa paixão supostamente avassaladora. Ela, queria amor . . . E ela amou-o até o fim. . .
( . . . Mas penso que é bom deixar claro: as pessoas no geral juntam-se não tanto porque se gostam no sentido honesto da “coisa”, mas porque precisam da certeza de que os outros gostam de si. Antes do amor pelo parceiro, há que se ter a garantia de um sentimento vindo de lá para cá. Não penso que foi isto que deu origem ao relacionamento, mas penso que foi isto que poderá ter deixado aqueles dois corpos apodrecerem-se no banco. )

Foi então assim: Jean atrás da rapariga que retribuísse o amor à primeira vista jurado a cada noite de bebedeira. Amelie, envolvida em paixões eternas e perfeitas, passando os dias a sonhar com amores infinitos, mas sem qualquer duração.

Ele não respeitou, não foi homem, não foi corajoso, não foi forte, não foi sequer seguro, muito menos ambicioso. Ele foi tudo aquilo que nunca mostrou, mas é isso que o vai acompanhar para o resto das suas vidas e que o vai caracterizar como pessoa. “ Aquele que fugiu com o rabo entre as pernas, enganando tudo e todos em busca de um vale encantado!”

Para além disso, Jean não sabia, nem ninguém sabe o que é amor porque, antes de se conseguir uma definição do sentimento, a relação já se transforma em amizade ou qualquer tipo de convívio suportável entre duas pessoas. Ou . . . meramente acaba.

Ponto final.

2 comentários:

Mia disse...

Se todos os erros que cometemos nos deixassem com um nome, teríamos todos nomes quilométricos de adjectivos menos próprios. Os erros moldam nos como pessoas, mas não nos metem etiquetas. Errar é humano, e o erro é o melhor professor. Aprendemos com ele, apesar de não ser esse o sentimento que fica patente. Se nos fosse a caracterizar como pessoas, seríamos todos nós criaturas hediondas que não mereceriam respeito umas das outras.

Por isso, não nos vamos condenar eternamente pelo mal cometido, porque errar, toda a gente erra, e quem não erra, não é deste mundo.

Cristiana Peixoto disse...

"Para além disso, Jean não sabia, nem ninguém sabe o que é amor porque, antes de se conseguir uma definição do sentimento, a relação já se transforma em amizade ou qualquer tipo de convívio suportável entre duas pessoas. Ou . . . meramente acaba."

Não concordo com isso, mas cada um tem a sua opinião.