30/03/2009

Para que serves?

"Estava um fim de dia magnífico. Respiravam-se os primeiros raios de sol do inicio da Primavera, e o aumento da temperatura era visível na ausência dos casacos que durante meses se tinham avolumado sobre os corpos.

Numa esplanada com vista para o mar, um grupo mais animado percorria os minutos de relaxamento após mais um dia de trabalho, com uma ou duas cervejas, alguma conversa e muitas gargalhadas.
Qualquer assunto servia para conversar e não havia tabus. Pequenos episódios mais ou menos alegres, mais ou menos surreais do que se havia passado naquele dia de trabalho eram dissecados até à exaustão não sem antes se aventar hipóteses imaginárias do que seria se tivessem reagido de maneira diferente a uma determinada situação.
Os nomes dos barcos ancorados não podiam deixar de ser gracejados, e passavam tempos infindáveis a inventar teorias para a razão de ser de cada nome, enquanto criavam também possíveis nomes para barcos que viessem a ter, num futuro mais desprendido economicamente. Cada nome mais inverosímil que o anterior, como se fosse uma competição para encontrar o mais estranho de todos e que mais gargalhadas provocasse.

De repente uma das raparigas levanta-se, arruma a cadeira e mete a mala a tira-colo.

- Bem, tenho de ir…

- Eu levo-te, disse um deles, enquanto tentava tirar a carteira para pagar a conta.

- Deixa, não é preciso. Vou a pé, é logo ali.


Ele voltou a sentar-se, cabisbaixo. Ela foi embora e durante uns instantes os sorrisos fecharam-se e um silêncio grassou por aquela mesa. Todos sabiam que não era “logo ali”, que afinal ainda era uma volta bem grande e que a boleia seria aceite, se não tivesse proveniência em quem teve.

- O tempo está mesmo bom, hein? – ouviu-se timidamente, numa clara tentativa de motivar outros tópicos de conversa e desbloquear o constrangimento que se tinha apoderado daquela mesa. Parecia não ter sortido efeito. Outra voz se levantou.
- Realmente já tinha saudades de um solzinho assim... vai outra cerveja?

Na iminência do fim de tarde ficar por ali, ele acedeu... esboçou um esforçado sorriso, como que aceitando a oferta de aconchego...
E a conversa lá voltou a ganhar algum ritmo, mas com muito menos gargalhadas. Pouco tempo depois começaram a debandar em direcção às suas casas, cada um a seu tempo, cada um para seu lado.

Para o fim tinha ficado o rapaz cabisbaixo, ainda sem conseguir disfarçar o desgosto de mais uma pequena e eterna rejeição. Ouve-se então, entre-dentes:

- Gostas mesmo dela, não é?

Ele encolhe os ombros, conformado. E fazendo alusão a uma vontade que não escolheu, respondeu:
-E o que é que isso contribui para a minha felicidade…?


E foi-se embora, ficando a pensar o resto do dia naquela que era a frase que melhor o caracterizava …

“o que é que isso contribui para a minha felicidade?”…"

2 comentários:

Bia disse...

Muito engraçado, não fosse esta situação, o dia-a-dia de muita gente :(

Montenegro disse...

Boa noite.

Vim ter a este espaço por acaso e deparei-me com este texto... que curiosamente conhecia de algum lugar.

Não tenho nada contra pegarem nos meus textos e colocarem-nos noutras páginas. Já o fizeram com um ou outro poema no Orkut, até já o fizeram com parte de um texto numa aula de português de 8º ano.

Agradecia era que fosse indicado o autor (como foi feito nos casos que descrevi), pelo menos neste texto, visto que me toca a mim pessoalmente.

Sei que não sou ninguem perto de um John Lennon, Nicholas Sparks ou Alvaro de Campos, que já vi citados neste blog, e imagino que tenho sido um lapso momentaneo e sem qualquer má intenção, mas acho que é o minimo que posso pedir.

Obrigado pela atenção e um bem haja.